Como NÃO marcar o gênero na língua?

Na alfabetização, aprendemos que há marcas do gênero feminino e marcas do gênero masculino na língua portuguesa. Também aprendemos que o “eles” deveria ser usado mesmo que houvesse 99 mulheres em uma sala e somente 1 homem. Porém, esse debate evoluiu muito e hoje existe uma preocupação sobre como NÃO marcar o gênero na língua.

Sabemos que a língua é a forma como nos comunicamos e essas marcas podem contribuir para a invisibilização da mulher e, inclusive, para reforçar a violência, seja ela simbólica ou física. Portanto, essas preocupações valem tanto para a fala quanto para a escrita.

Vejamos alguns exemplos

Embora seja bastante comum o uso de parênteses ou barras para marcar o feminino (por exemplo, prezados/as ou prezados(as)), a leitura dessas formas fica prejudicada. Assim, uma opção mais simples seria dizer “prezados e prezadas” ou “prezadas e prezados”, na ordem que você preferir.

Outro uso bastante comum, especialmente nas redes sociais, é o sinal de @ no final das palavras. Por exemplo: tod@s, amig@s. Porém, na leitura essa grafia também não funciona, pois o sinal @ é impronunciável e teremos que optar por ler “todas”.

O uso de todxs ou todes, também muito frequente na linguagem cotidiana, traz o mesmo problema do sinal @: é impronunciável ou cria uma palavra que ainda não existe na língua portuguesa.

Então, como NÃO marcar o gênero na língua?

Se a nossa proposta é não marcar o gênero na língua, devemos evitar o uso de palavras masculinas como “plural universal e genérico” (deixando as mulheres subentendidas). Ao mesmo tempo, não queremos usar somente palavras femininas e apagar o masculino dessa linguagem. Desse modo, uma das opções é utilizar as duas palavras juntas, ou seja, tanto a forma feminina (por exemplo, alunas) quanto a forma masculina (alunos).

Em muitos casos, temos a opção de utilizar palavras mais neutras. Por exemplo, em vez de dizer “Os profesores e as professoras”, podemos dizer “O professorado”. Embora ainda seja uma palavra masculina, ela se refere a toda a categoria.

O contrário ocorre quando optamos por “A coordenação”, em vez de “Os coordenadores e as coordenadoras”. Aqui temos uma palavra feminina representando toda a categoria. Outro exemplo seria “as crianças” em vez de “os meninos e as meninas” ou “a cidadania” por “os cidadãos”. Enfim, existem várias formas possíveis de não se marcar o gênero na língua.

Afinal, qual é o correto: masculino, feminino ou neutro?

As noções de certo e errado podem ser relativas na língua portuguesa, pois é preciso considerar a mensagem que se quer passar. Do ponto de vista gramatical e de pronúncia, sugerimos o uso das duas palavras (prezadas – feminina – e prezados – masculino) para evitar problemas de gênero.

Outra opção, como sugerimos acima, é utilizar palavras neutras que englobem os dois gêneros. Por exemplo, “as pessoas” ou “a humanidade” (em vez de homens e mulheres), “a juventude” (em vez de os jovens e as jovens)…

QUEM ESCREVE?

Fernanda Massi é Mestra e Doutora em Linguística e Língua Portuguesa pela UNESP/Araraquara. Ela é também Pós-doutora em Linguística Aplicada pela UNICAMP. Foi professora de Leitura e Produção de Textos na UNESP/Araraquara e na Universidade Federal de São Carlos (UFSCar). Nesse período, orientou trabalhos de conclusão de curso (TCC) e de iniciação científica. Fernanda trabalha com revisão de texto desde o início da sua graduação em Letras (2004) e é também a responsável pela equipe de revisão da Letraria.

2 Comentários. Deixe novo

  • Walner Mamede
    14/04/2023 21:09

    No entanto, há que se deixar claro que muitas palavras, hoje, consideradas masculinas, em sua origem, eram, na verdade, neutras. A flexão feminina não surgiu em oposição à masculina, ela surgiu, justamente, para dar distinção ao ente sobre o qual se fala e produzir coerência textual. |Antes, p. ex., quando se dizia “menino” era necessário incluir um classificador de gênero para se distinguir o ente do sexo masculino daquele do sexo feminino, e não se criar ambiguidades discursivas: menino homem (em uso até hoje), menino mulher (em desuso e substituida por “menina”). Vários exemplos podem ser buscados na história da nossa Língua e que não são mencionados nos debates. John Martin (1975) põem em xeque a existência do gênero masculino em Português, afirmando que existe apenas uma distinção entre nomes ‘com marca de gênero’ e nomes ‘não-marcados’.

    “…Hoje, a teoria mais aceita sobre a categoria de gênero gramatical no indo-europeu, após a descoberta da língua hitita, é a de que originalmente o indo-europeu possuía dois gêneros gramaticais: comum (seres animados) e neutro (seres inanimados), e, posteriormente, o gênero comum dividiu-se, nos outros ramos do indo-europeu, em masculino e feminino…” (MÄDER, 2015 – p. 48 – Universidade Federal de Santa Catarina – Dissertação de Mestrado)

    E, nesse processo de divisão, foi produzida uma equivocada identidade entre gênero gramatical e gênero biológico (sexo), o que desembocou na atual discussão da linguagem neutra.

    Outra questão é o estupro da gramática e da lógica quando se subverte palavras como “presidente” por “presidenta”, “beijos” por ” beijas” e várias outras atrocidades linguísticas, politicamente, justificadas. “Presidente” refere-se ao “ente que preside”, que por sua vez é sinonímia de “[o/a] ser, aquilo que é [algo]” e não existe a palavra “enta” e, muito menos o conceito “aquilo que é alga” (“alga” existe apenas como uma categoria de organismo vivo, portanto, um outro contexto). Assim, vale ressaltar, ainda, que:

    “…uma palavra terminar em a não indica necessariamente que ela seja do gênero feminino e que, conseqüentemente, refira-se a um ser do sexo feminino. O substantivo dia, por exemplo, pertence ao gênero masculino. Podemos dizer também que palavras terminadas em o nem sempre pertencem ao gênero masculino, como é o caso, por exemplo, de libido – substantivo feminino. E, ainda, há casos em que o “gênero” é indicado pelo seu determinante. Por exemplo, as palavras intérprete, cliente e estudante podem ser consideradas do gênero masculino, se o seu determinante também pertencer a este gênero (o intérprete), ou podem ser consideradas do gênero feminino, caso o determinante também o seja (a intérprete). Estes últimos vocábulos têm assim uma única forma para indicar os dois gêneros gramaticais e podem referir-se a seres do sexo masculinoou feminino (SILVA e FARIAS, 2004, p. 765 – ANAIS DA XX JORNADA – GELNE – JOÃO PESSOA-PB)

    “Presidente”, “adolescente”, “gerente”, “dirigente”, “doente”, entre várias outras palavras, enquadram-se nessa última categoria citada pelas autoras. Se, por ventura, instituirmos a existência de “enta”, o que é plenamente possível, pois seguiria a mesma lógica de substantivos como “menino/menina”, criando a palavra “presidenta”, teremos que instituir mudanças também como “adolescenta”, “gerenta”, “dirigenta”, “doenta”…o que, incongruentemente, não é realizado. E, pra sermos, politicamente justos, deveriamos colocar em discussão as versões não-neutras masculinas “adolescento”, “gerento”, “dirigento”, “doento”…. Em uma extensão do raciocínio teríamos díades como “professoros/professoras”, entre outras. Isso cria uma dificuldade tremenda par a Língua, rompendo sua lógica interna e dificultando seu aprendizado, não sendo suficiente a substituição de palavras, como propõe a autora do post, pois muitos casos não se adaptam a essa estratégia e a escrita, totalmente, neutra se torna impraticável.

    Responder
    • Blog Letraria
      15/04/2023 13:29

      Olá, Walner! Muito obrigada pela contribuição.
      Estamos sempre abertos ao diálogo. 💜

      Responder

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